Exposição anterior:
David Rosado
Urso de má pêlo
Exploração à superfície e por debaixo da pintura
de 2012-03-31
a 2012-04-26
Por Israel Guarda
A série urso de má pêlo de David Rosado explora a fina fronteira entre o nível da superfície e o outro nível subterrâneo por detrás da pintura. Tudo começou por um acaso feliz na recuperação de uma tela rasgada, aonde o artista decidiu pintar um grande urso. O motivo era pessoal como se percebe pelo título “e todos os dias conheces um urso”, mas transformou a pintura em algo mais complexo, pois incorporava a pintura e o suporte. Esta condensação estrutura – suporte, por sua vez, subalternizava a experiência transitória inicial, por uma busca de algo mais substancial, que se viria a materializar por um interesse em personagens à escala, em cenários intimistas, a negro, onde a presença do corpo inteiro ganha constância.
Esta procura de um novo enfoque ou de uma nova estrutura de trabalho, intui no percurso do artista uma maior maturidade no à vontade com que usa e continua a trabalhar as suas referências privilegiadas de filmes, animação, figuras estilizadas, animais, enquanto lugares comuns da sua linguagem artística, mas apaziguando o ruído visual e fragmentação que caracterizava muitos dos seus trabalhos anteriores. Nada melhor para compreender a hesitação que estes momentos de mudança normalmente transportam que a obra Vedo Nudo, na qual a continuidade e mudança de um processo de trabalho melhor se podem medir.
A procura de uma síntese, neste difícil e polifacetado universo imagético, possibilitou por seu turno uma maior inteireza e melhor capacidade comunicativa, alcançado de forma mais brutal em Seeingt things, other things, onde a apropriação de fotogramas do filme Desperate, realizado por Anthony Man em 1947, capta o contexto histórico do filme negro, o grão e a mesma carga tensional; ou num registo mais humorístico na combinação de figuras improváveis de cinema e animação Nothing to declare, não dando mão do que tem caracterizado o essencial do seu trabalho, o carácter e a capacidade comunicativa da imagem.
A ligação entre os vários trabalhos que se apresentam vale por aquilo em que se pode converter e isso é válido para qualquer género artístico, isto é que o conjunto (todo) se possa converter também numa instalação com vida própria. Não retirando o valor intrínseco a cada obra, o modo como cada uma destas se relaciona constitui a evidência mais forte desta série de David Rosado, pois é nesses interstícios que melhor se entendem os limites de género, a natureza volátil das imagens e da sua representação, temas desde sempre presentes no seu trabalho, mas com um olhar revigorado, mais frontal e simultaneamente mais subtil.
O acto de pintar, enquanto acção consciente, não elimina ainda situações inesperadas como em tudo no ser humano, e esse elemento de contingência, porque não inteiramente premeditado, ganha aqui uma presença maior. Tal facto ajuda a conferir à ordem global dos trabalhos uma potência, que embora implicitamente presente, é reforçada pela complementaridade que os trabalhos depois de expostos é suposto exercerem entre si, facto que não é premeditado à partida, mas que se vai desenhado no atelier em cada obra e pela influência que esta exerce na outra e assim sucessivamente. Talvez resida neste factor a maior força do trabalho de David Rosado, o modo como produz e dá a ver a sua pintura, indiferente a tendências de estilo ou sujeições de meio, tem um mundo próprio, está em contacto com a natureza das coisas.
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