Tchalê Figueira
O mundo onírico do Tchalê Figueira
Algo é certo: o mundo do Tchalê Figueira ultrapassa qualquer noção de periferia. É na verdade, o contrário: é um mundo central. Ou melhor ainda, um mundo sem centro.
Porque, o que nasce no seu interior como ser humano, se transforma na espiral da vida. Isto é: sendo ele artista— pintor, é nos traços entre linhas que a energia se gera. Uma energia que se expande no mundo dos homens, não os distinguindo, não os catalogando, não os esmagando com o peso do ‘epicentro’,que é quase sempre o apanágio desta era do mundo do espetáculo, mas contudo mexe com o ‘sonho’ de cada um.
O onírico do Tchalê (relativo ao devaneio acordado), é na verdade um vasto mosaico notavelmente multifacetado: fantasioso, imaginativo, sonial. Com linhas freudianas, estereótipos jungestes , mergulhos sociais galopantes bukovsikianos , ‘delírio tremis’ de lineamentos rudes, arcaicos e bárbaros. Que atingem então a elegância do cisne que voa, e não do cisne aprisionado num lago urbano.
Cabo Verde está preso no sonho do Tchalê e ele preso nessa fantasia. Pois tudo é ‘maya’, ilusão. E o mundo está preso nesse mundo e o mundo preso na ponta de um pincel que necessita de ser substituído, mas o pintor espera ainda por um pincel de Paris, o azul-cobalto do Japão, ou o pigmento rosa de Alexandria.
Presos? Não. Talvez seja melhor falar em entrelaço. O mundo enlaça-se no Tchalê e se transforma (a alquimia da arte) em soluções nítidas, clarividentes e mesmo repousantes: pois os seus zarapelhos não passam de sonhos tranquilos comparados à crueza da violência que nos atinge no estômago. Na verdade podem ser um apelo à meditação, mesmo se logo à primeira temos uma espécie de recuo a alguns dos seus efeitos plásticos (oníricos).
E tudo dança: budas, tamareiras, cães, lagartos, ditadores, explosões de bombas de mau-cheiro, amor, ternura, sexo, carnaval, pardais, cavalos, galos, escravatura, máscaras, mascarilhas , pontos de luz, pontos de luz…
Nas ilhas atlânticas de Cabo Verde, existe uma hora á tardinha que se chama ‘dezamparim’: é a hora em que a luz vai deixar um lado do planeta e a noite se aproxima. Desemparo. O Tchalê adora essa hora. Foi ele que fez notar que é nessa hora que as ondas se tornam o mais branco rendilhado do universo.
A partir desse dia o Tchalê Figueira tornou-se cósmico por partilhar uma profunda observação ‘onírica’ que parece ser muito simples mas na verdade não é nada simples.
Vasco Martins
Currículo
Tchalê Figueira nasceu em 1953 na cidade cabo-verdiana do Mindelo, na ilha de São Vicente. Com uma obra pictórica difundida por vários países, estreou-se na edição como poeta através de Todos os naufrágios do Mundo (1992) seguindo-se Onde os sentimentos se encontram (1998) e O azul e a Luz (2002) Participou em 2004 na antologia sobre os trinta anos do 25 de Abril – Na Liberdade, organizada pela Garça editora, Portugal. Tem colaborações poéticas na revista Plágio (Portugal) e no Jornal Artiletra (Cabo-Verde)
Revelou-se como ficcionista a partir da edição da novela Solitário (2005) editada pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro de Cabo-Verde. Editou com a chancela da Mar da Palavra (Portugal), em 2005, a segunda obra de ficção – Ptolomeu e a sua Viagem de circum-navegação. Em 2010, editou com a chancela da editora Dada (Cabo-Verde) o livro de contos, Contos de Basileia e em 2013 a novela: A Índia que procuramos.
Exposições na galeria Arte Periférica: